Friday, June 22, 2007

A alguém importante.

Dá trégua ao viver coletivo
Dá trégua a resignada vida brusca.
Vive e sem fazer sentido,
com guarda-chuva colorido:Dança.




tenho saudades.



Ramon Chaves.

Tuesday, June 19, 2007

Ciranda do Amor e Cotidiano ( revisado;reformulado)

O mundo parece óbvio. Acordava e uma visão pouco comum o fazia ver os pés despreocupados pela horizontal.Todos tão rápidos e frenéticos,todos os dias da mesma maneira torpe.Quando a neblina do acordar ia se dispersando, é que percebia alguns pombos,todos tão frenético quanto,buscando alimento, disputando cada migalha deixada cair por qualquer.Lembrava-se que em pouco tempo seria ele a brigar pelas migalhas deixadas cair.
Às vezes as esmolas doadas davam o bastante para o que comer, às vezes - mas disso não gostava-, tinha de recorrer ao que a sorte doaria numa lixeira tão qualquer como as pessoas e os pombos.
Levantava-se e a angústia aumentava em descobrir que permanecia invisível.Era comum,e já nem se lembrava como e a quanto tempo estava ali,mas a marquise ao menos por essa noite havia sido abrigo pitoresco.
Notava o clima e dava o veredicto: Vai continuar frio. E nem sabia se havia dito ou apenas pensado.Tinha se esquecido da própria voz,nem sequer lembrava a última conversa que tivera com alguém, só havia por muito tempo, monólogos de frases soltas.A mais comum de todas: “Pelo amor de Deus!”As pessoas gostava de ouvir o nome de Deus , suscitava misericórdia.Todos gostam de saber que sendo misericordiosos, estão também, sendo observados “pelo amor de Deus”,isso lhes dava uma espécie de moeda de troca,e se não em vida, poderia ser descontada ao menos no céu.Um pecado aqui ,uma moedinha acolá e, ficaria tudo certo . “Espero que não esfrie mais”.Todo ser humano se vale também do artifício da esperança para sentir-se melhor,embora o ambiente lhe forçasse a ser menos homem ,seja pela aparência seja pelos modos, ainda era homem, mas não sabia disso, nem se importava com isso.Estava era mais preocupado com o clima,se esfriasse,teria de comprar outro cobertor alucinógeno num bar ,tão qualquer quanto as pessoas,pombas e, a comida, ficaria por conta da sorte às lixeiras.É mais fácil encontrar comida em lixeiras, por isso sempre ficava a segundo plano.
Seus traços animalescos, o afastava do passado. Sempre há uma marca, em qualquer vida, e sendo vida já é marcada: As lembranças. Elas vinham paulatinamente em intervalos longos, - mas ele costumava a também não gostar disso- e sempre às interrompia: “Pelo amor de Deus!” Uma moeda. Nesse dia teve um choque. –“Amanhã acordo cedo”. Um silêncio sucedeu por instantes. –“Acordo cedo, e tomo banho no abrigo”. Terminou a frase com outro intervalo de tempo. Não sabia ao certo, se pela demasiada bebedeira da noite passada, ou o fulgor do frio, a esperança havia sido despejada aos montes sobre ele naquele dia. Desde os tempos de rua, que para ele havia se tornado uma casa grande de mais, que às vezes de repentino era tomado pela esperança. Como último recurso, apegava-se a ela.Havia uma roupa a ser estreada,nunca tivera sido usada desde a vida nova,e se manteve com aspecto de nova,com cheiro de bolor ,mas aparência agradável.
Planejou o próximo dia e de novo,depois de muito tempo escutou:Risos!Estava rindo?Podia ele rir?Lembrou-se de seus filhos,como estariam?E logo percebeu que estava se lembrando,e para sanar isso: -“Pelo amor de Deus!”Outra moeda.
O dia passava na velocidade dos carros à sua frente, e depois do Sol do meio dia,o dia murchava de um todo a escuridão.Sentia-se meio réptil quando aproveitava os calores das coisas ,já que seu corpo franzino já não se aquecia sozinho.E quando não dava mais,ia a um bar qualquer e comprava um cobertor.Às vezes o cobertor além do frio,matava a fome a sede e ele próprio aos poucos.Como gostava de morrer aos poucos,gradativamente,era uma parte a menos a ser lamentada.
A noite era menos interrompida quando este estado o acompanhava: -“Pelo... Amor... de... Deus!” Uma moeda, às vezes, este estado matava também a pena e dava lugar a: “Vagabundo alcoólatra!”. Este estado matava a esperança.
O mundo parece óbvio. Acordava e numa visão pouco comum, via os pés despreocupados. E –“Pelo amor de Deus”, ia-se vivendo.

A qualquer. (reformulado;revisado)

Todas as manhãs como quem por impulso involuntário respira: levanta, e faz as mesmas coisas da mesma maneira. Era seis horas e já não se reconhecia. A pele negra reluzia ao acender o fogo do fogão usado do barraco. Havia planejado seus movimentos apenas uma única vez, depois, era como aparelho automático que tem programado as funções, bastava a ela o ato de acordar.
Quase, e quase era sempre, não sentia fome,e não se importava com isso.Acordava o marido,os filhos.O marido imundo de sempre a mesma bebedeira,lavava a cara e também não se reconhecia,mas para ele era pior ,nem ao menos recordava-se de quem era,de quem um dia foi. Sempre era daquela maneira:é assim que deve ser,imagina quando pensa; pensar gradativamente havia se tornado um ato cada vez mais raro.
Não era feliz,e não sabia também o que era ser( o que é ser feliz?),e por via das dúvidas também não era triste. Mesmo sem fome,comia:pois é assim que deve ser.Ou não se come durante o café da manhã com o marido?Mesmo que não seja o café, mesmo que não seja o marido,mas com certeza era manhã a mesma e fria fosse como fosse.
Como são bonitas as promessas,como são bonitas as novas esperanças ,renovadas dia a dia em um embrulho de cara lisa.Depois das esperanças , eram filhos,bebedeira,cafés da manhã ,dias, dias, dias.Todos tão ou mais pélagosos ou pior, pantanosos quanto.
-Toma, bebe... -dizia sobre o leite fervido. Dizia para qualquer, dizia para quem a respondesse.
O cônjuge e filhos saíam,ela ficava,o desemprego a forçava a ser desempregada doméstica.A manhã ficava mais leve,ligava o rádio na estação favorita,e pintava os semi-lábios de vermelho rubro,e sentia-se mais atraente-mas para quem?Dançava enquanto arrumava a casa e pensava no dia em que...Em qual dia mesmo?
No fundo sabia que dia não viria diferente,ou diferentes.Pensava então na próxima vida, quem sabe então acertaria? -Acertar o que? -Estava errada? Acaba vivendo,pois quem desiste não tem céu,disso sabia ,isso não a deixavam esquecer.E caso não houvesse outra vida ,quem sabe lá, o céu?-É, porque não o céu?
Não pensava muito nele,pois a vida, a outra, sabia como deveria ser,ou melhor, irá ser,gostava de ser otimista.Por isso o céu era sempre segundo plano.Mas enfim havia duas possibilidade.
Quem sofre merece o céu - Mas ela sofre?Se não sofresse mereceria ainda sim o céu?Também por via das dúvidas se considerava sofredora,e sentia-se melhor assim,mas não falava ,nem pensava em dizer algo sobre isso,e se reprimia ao pensar,tentava furtar-se a este pensamento,pois o fato de sentir-se bem a faria menos sofredora.- Por que não o céu?E se não a outra vida, o céu estava bem.
Estas horas eram de fato que tinha para si,apenas si, sem marido sem filhos,só si.Arriscava até não ser previsível dando uns gritos a frente do espelho,acompanhando os acordes da música da moda.E ria de si, com si.Ah!Estar com si era a melhor das companhias,era até quando falava mais, ria mais e vivia.
Dava o meio dia,comia,sentava-se, lia, as mesmas revistas, sempre escolhia as mesmas, gritar a frente do espelho era o menos previsível que poderia ser. Gostava de ver a seção em que aparecia uma festa .Pensava que poderia participar de festas assim na idealizada próxima vida.Ai lembrava que preferia a próxima vida, não há festas como estas no céu,há?Então era melhor mesmo a outra vida.
Dava seis horas,davam os filhos,dava marido, dava arroz pronto.
Servia e pra eles, era sempre a mesma mulher. Calada, frígida, com dor de cabeça.
Marido sentava-se à mesa,não dizia palavra.Era um monólogo-Mais arroz?Pra quem respondesse. Depois, dava novela com barulheira,davam filhos na cama, dava o bar,cheiro de cachaça,o que diziam ser sexo.Outra noite.
Todas as manhãs como quem por impulso involuntário respira: acorda e faz as mesmas coisas da mesma maneira.